A terminologia do contrato social é cada vez mais utilizada pelo Banco Mundial e outras instituições de desenvolvimento (PNUD e OCDE) como forma de enquadrar a relação entre os cidadãos e o Estado. Um relatório regional recente argumentou que os contratos sociais influenciam diretamente as políticas e ações do Estado porque determinam como os cidadãos formam as expectativas, bem como os mecanismos pelos quais se mobilizam e se engajam politicamente.
Para o próximo relatório emblemático do Banco Mundial – Brasil 2042, investigamos como o conceito de contrato social poderia fornecer insights para apoiar as reformas difíceis, mas necessárias.
Para isso, exploramos novas formas de investigar as expectativas e percepções dos cidadãos, o fluxo e refluxo de narrativas e opinião pública, partes interessadas e redes sociais e os mecanismos que permitem ou impedem a responsabilidade social e a ação coletiva. Para colocar a teoria em prática e aplicar esses conceitos ao Brasil, fizemos parceria com a Tree Intelligence, que adaptou sua metodologia de etnografia digital para mapear a evolução das redes de contratos sociais relacionadas a alguns estudos de caso de reformas de políticas públicas anteriores.
O framework desenvolvido pela Tree Intelligence e adaptado para o Banco Mundial utiliza uma combinação inovadora de métodos quantitativos e qualitativos, incluindo: i) Mineração de Dados para a coleta de dados digitais públicos; ii) Análise de Redes Sociais para a análise quantitativa da rede emergente conectando atores ao longo do tempo; e iii) Etnografia Digital para a análise qualitativa das narrativas que circulam nas redes de atores.
Essa metodologia deriva de um conceito de mapeamento multissetorial que inclui três importantes arenas de debate para a sociedade: engajamento social, político e midiático. Ele identifica indivíduos e organizações interagindo e influenciando uns aos outros e suas comunidades em questões específicas. Os stakeholders mais relevantes mapeados pelo Tree Intelligence formam o que é chamado de Pequeno Mundo de (multi) stakeholders. Por sua relevância para o tema, esses atores têm a capacidade de projetar sua influência no Grande Mundo, que inclui a opinião pública em geral e, portanto, não se limita às tradicionais “elites”, como grupos políticos e economicamente poderosos.
A Tree Intelligence coletou informações abertas e públicas de contas do Twitter e sites com acesso público a discursos, entrevistas, menções em mídias digitais e portais de notícias, além de monitorar o Congresso Nacional e audiências públicas.
Embora o foco principal desta pesquisa seja uma análise mais profunda do Pequeno Mundo dos multistakeholders, ela também contempla a correlação com o Grande Mundo. Isso nos permite compreender os altos e baixos das discussões e a relação com o andamento da agenda no processo decisório político.
Uma das políticas analisadas foi o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), um fundo de equalização destinado a financiar a educação básica pública em todo o país.
Figura 1. resume a evolução da dinâmica social do processo de formulação, discussão e votação do projeto de lei do FUNDEB a partir da perspectiva da rede multissetorial, destacando dois prazos principais:
(T1) No início do período analisado (2018) a discussão era principalmente uma questão legislativa, com pouca participação da sociedade civil e o poder executivo permaneceu praticamente ausente.
(T2) Ao final do processo (2019-2020) a estrutura da rede muda substancialmente, caracterizada por:
É importante destacar como os think tanks – como o Todos Pela Educação – atuaram como “brokers” da rede entre representantes da sociedade civil e membros dos poderes legislativo e executivo, influenciando o processo com informações e argumentos técnicos confiáveis tanto na área digital quanto offline. Por outro lado, o poder executivo permanece na periferia de ambas as redes mostradas na Figura 1, com menor participação nas discussões dessa política.
A partir da análise da reforma do Fundeb e de outros estudos de caso, vimos dois importantes impulsionadores do sucesso da reforma. A primeira está diretamente relacionada ao grau de alinhamento da reforma com as expectativas dos cidadãos dentro de seu contrato social. Por meio da mídia e das arenas sociais, os cidadãos por meio de grupos de interesse e manifestações manifestaram apoio à política. O segundo fator é a importância de um gatilho para o impulso político. No caso do Fundeb, esse gatilho veio do próximo vencimento da lei anterior de financiamento da educação, o que criou um senso de urgência.
Figura 1: Rede FUNDEB criada na ferramenta LivingStakeholders
A aplicação da metodologia netnográfica apresentou uma ferramenta complementar para a representação do conceito complexo de contrato social, intimamente ligado ao entendimento das redes sociais. Neste exercício, a Tree Intelligence abordou as políticas como dinâmicas de rede multissetoriais que podem ser mensuradas e contextualizadas para identificar aspectos-chave do sucesso das reformas.
Novos mapeamentos em diferentes temas (mudanças climáticas e desenvolvimento econômico, desastres socioambientais, fragilidade e conflito, gênero, saúde, etc.) e países com acesso a dados digitais abertos contribuirão para o desenvolvimento desta metodologia e sua conexão com o estrutura de contrato social em que o Banco Mundial está trabalhando atualmente.
A equipe da Tree Intelligence acredita fortemente que esse tipo de abordagem híbrida e orientada para as redes pode trazer fortes contribuições para a compreensão de um mundo cada vez mais complexo.